sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Côncavo e convexo


Ele era fã incondicional de Jazz, Blues e MPB, a qual chamava de música e poesia do Brasil. Ela detestava os gêneros instrumentais e tinha pavor das composições do Chico Buarque. Gostava mesmo era de axé music, forró pé-de-serra e dos hits do momento.


Ele tinha uns ares de poeta, gostava de rosa vermelha e conhaque de alcatrão. Ela não tinha muito contato com poesia, preferia os lírios às rosas e boa freqüentadora de academias, só tomava Coca-Light, para não perder a forma. Ele fumava dois maços de Holywood diariamente. Ela tinha alergia e não podia com fumaça. Ela sonhava em passar férias em Paris. Ele não se importava com grandes viagens, preferia botecar com os amigos. Ela lia Marie Claire e Caras, ele, Garcia Marquez e Carlos Drummond.


Numa manhã de sábado enquanto passeava pelo centro da cidade, ele a viu caminhando na direção contrária e ela também o notou. Trocaram olhares e nas manhãs de sábado seguintes ele a esperou no mesmo local, perto de uma agência bancária. Ele sabia que jamais poderia voltar, mas nunca perdeu as esperanças, até que ela passou outra vez, depois de nove sábados de espera. Ela não entendeu quando ele disse que estava ali esperando por ela. Depois de alguma conversa, acabaram sentando-se num bar. Ele tomou uma cerveja, ela um suco de laranja com Zero-Cal.


Foi então que se descobriram: côncavo e convexo, tampa e vasilha, rolha e garrafa, que apesar de diferentes, não existiam um sem o outro. Ele se viu apaixonado por aquela moça que tinha passo de bailarina e na boca um sorriso de sol, que o fazia sentir vontade de acabar com as guerras do mundo só por causa dela. Ela, como nunca havia acontecido, se encantou com aquele que lhe fazia versos e atirava nas noites de serenata, lírios em sua janela...
(*) A imagem acima mostra o encaixe perfeito de 2 corpos em “Côncavo e Convexo”, de Mª Guedes (foto: Divulgação - conteúdo da Internet)

Monlevade tem coisas muito esquisitas


Monlevade tem muita coisa esquisita. Exemplos não faltam. Tem vendedor que não tem educação. Outros que não sabem atender. Outros que parecem não querer vender. Tem um trânsito complicado, estacionamentos impossíveis e ruas lotadas. Tem comércio bom, mas muita loja cara. Tem ainda posto de gasolina com valores altíssimos, hotéis com preços absurdos e até restaurante que vende comida velha.


Tem propaganda volante que enche a paciência de todo mundo, tem buracos que vivem dando dor de cabeça aos motoristas. Além disso, acontecem por aqui coisas de que até Deus duvida. Tem muitos órgãos de comunicação, mas nem todos sabem comunicar. Tem também político partidário, radical ao extremo, que ainda não entendeu o verdadeiro sentido da política. Tem vereador querendo verba para gabinete, enquanto a Câmara gastou R$2,5 milhões no ano passado. Falando nisso, as reuniões ordinárias da Câmara são mesmo muito ordinárias.


É uma cidade cercada de montanhas por todos os lados, portanto, na época das chuvas a parte baixa fica alagada e as partes altas correm o risco de desabar. Tem um rio poluído que ameaça casas ribeirinhas, embora haja sempre o cuidado da principal empresa do município em evitar que isso aconteça.


No quesito emprego, Monlevade vai apanhando da crise e registra 500 pedidos de seguro desemprego, antes mesmo do fim do primeiro mês do ano. Mesmo assim, tem imobiliária pedindo os olhos da cara em aluguéis e nos preços de imóveis, lotes e afins, de olho na duplicação da Usina, que teve o início adiado por cerca de um ano.


Monlevade, há tempos, não assiste a manifestações culturais gratuitas que levem a alegria para as pessoas. Tem alguns eventos que, apesar de quase perderem o fôlego, não podem morrer na praia depois de lutar tanto contra a maré, como o Festival de Inverno da Funcec. Com o novo prefeito e o novo secretário de Cultura, quem sabe a coisa não muda?


E o tão sonhado cinema, que mal começou a projetar e já teve as luzes apagadas? Quando a sétima arte volta? Não nos esqueçamos do teatro, cuja reforma custou mais de R$1 milhão, mas o teto já desabou, antes de assistirmos a pelo menos 50 apresentações no local. Aqui, embora haja grupos culturais, falta a eles o reconhecimento de direito.


Na cidade, há também obras inacabadas e prédios muito feios no centro comercial. Alguém explica aquele “troço” em frente ao Centro Educacional, por exemplo? Tem também outdoors que ficam com os papéis velhos e rasgados e, ainda assim, as empresas proprietárias não se importam em ir lá para trocá-los. Só fazem isso quando uma nova publicidade vem ocupar o lugar da antiga.


Tem motoristas que ignoram a faixa de pedestre, tem outros que não sinalizam o que vão fazer. Monlevade também tem um trevo feio, por onde passam milhões de pessoas a caminho do litoral. Deve ser por isso que muita gente acha que aqui se resume ao Posto 5 Estrelas e as imediações do Cruzeiro Celeste. A cidade ainda tem problemas com a falta de lugares para o lazer, falta de opções para entretenimento, sem falar no pouco investimento na formação cultural de sua população.


Mas ainda assim, apesar de todos os pesares, a gente vai levando, porque aqui estão os nossos mortos. Aqui, os nossos umbigos deram rosas. Aqui, mesmo com toda essa lama, com todas as pedradas, com todos os poréns possíveis e impossíveis, é o nosso lugar. E sonhar não custa nada. Isso tudo ainda vai mudar um dia. Tomara.