O escritor argentino Jorge Luís Borges tem um conto interessantíssimo sobre a memória. “Funes, o Memorioso” narra a história de um homem que, após sofrer uma queda, parou de esquecer. Depois do acidente, ele se lembrava de tudo o que tinha visto, ouvido e vivido, sem deixar escapar um detalhe sequer. No entanto, a “doença” da memória o deixou com a incapacidade de pensar. “Suspeito, entretanto, que não era muito capaz de pensar.Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair’, afirma o narrador.
Imerso nesta constante memorização, Funes não refletia, não selecionava as informações para que pudesse lembrar depois. O excesso de memória mata a reflexão. Não adianta iniciarmos uma longa e interminável rememoração de tudo o que se passou, sem algum critério mínimo de organização.
Não adianta, como a personagem do conto, nos transformarmos em um banco de informações e dados preciosos a respeito de nosso passado, sem no entanto, lançar sequer um olhar de crítica para ele. Hoje, vivemos num mundo tomado de informações: jornais, revistas, sites, blogs, redes sociais, entre outros elementos nos bombardeiam, a toda hora, com tantos dados.
No entanto, é preciso filtrar, reciclar, organizar e criticar para que a memória seja, então, valorizada de fato. Não adianta nos tornarmos enciclopédias repletas de saudosismo e nada mais. Até porque, o memorialismo não é feito somente de coisas aprazíveis. A memória, além da doce rememoração, pode também trazer o cheiro pobre do passado. Mas insistimos em esquecer desses percalços. Como ferramenta de felicidade, alimentamos uma falta daquilo que julgamos ter amado um dia.
Esquecimento e lembrança complementam-se. Precisam um do outro. Estão unidos numa interdependência fora do comum, pois um não vive sem o outro. Neste sentido, apesar do ridículo obvio, é preciso esquecer para lembrar. E se não nos esquecermos, como podemos fazer uma seleção daquilo que, de fato, merece figurar nas listas de reminiscências? Como valorizar os detalhes importantes de nossa história, se insitimos em lembrar sempre das mesmas coisas? Sim. A memória daquilo que está sempre sendo lembrado, torna-se banalizada. Esqueçamos. Para então lembramos depois.
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
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