sexta-feira, 27 de março de 2009

Dez coisas para se fazer quando estiver à toa

1) Ler 20 poemas de amor e uma canção desesperada, de Pablo Neruda

2) Ouvir os Beatles tocando Something

3) Assistir ao Fabuloso Destino de Amelie Poulain

4) Esfregar o dedão do pé num tapete felpudo

5) Ler qualquer texto do Drummond

6) Ouvir Chico cantando Trocando em Miúdos

7) Assistir ao Chaves e não sentir culpa

8) Jogar fora os papéis que estão sobrando na gaveta

9) Rever fotos antigas

10) Sexo também é bom negócio. O melhor da vida é isso e ócio, como cantou o Baleiro!

Todos eles num só

Leia Alvares de Campos!
Leia Alberto Caieiro!
Leia Ricardo Reis!
Leia Fernando Pessoa!

Eram quase oito



A mãe da moça tem medo da filha engravidar de novo. A jovem não tem boa fama na vizinhança. É chamada pelas demais senhoras de bom costume daquele bairro de famílias tradicionais de mulher de vida fácil. Vocês entendem, né? A pobre moça


Pobre? Questionam alguns. Mas ela desfila de grifes, cheira a perfumes franceses, come petiscos japoneses, roda em carros alemães e conquista homens do mundo inteiro. Já ganhou de presente um relógio suíço, bebe sempre uísques escoceses. De vez em quando, fuma unzinho vindo de São Luiz do Maranhão e não muito frequentemente, cheira pó colombiano. Era, como vocês podem ver, uma moça com aspectos universais. Tinha de tudo um pouco, de cada canto do mundo.


Mas a mãe dela não se importa com isso. Só tem medo mesmo de que a filha engravide de novo. O menino tem 10 anos. Fora uma gravidez difícil. A família do pai dela falou muito mal e a da mãe, nem se fala. Aliás, adolescente grávida e solteira é um prato cheio para o falatório dos hipócritas de plantão. Abandonada pelo namorado, a moça suportou na pele cada decepção. Foram nove meses de um martírio que ela mal pôde suportar. Mesmo assim, sobreviveu. Entre trancos e barrancos.


Hoje, ela tem 27 anos. Mas não parece. Ela aparenta ter mais. Deve ser por causa do constante ar de cansaço que ela mantém. Um ar de quem perdeu o sono, de quem perdeu as esperanças e se entregou à derrota. Reflexo da vida que leva, regada à baladas sem fim. Mesmo durante as segundas-feiras mais desanimadas, mas que para ela, eram cheias de clientes e de falsas animações.


A mãe cuida do neto. O neto esquenta o leite para a avó que tem medo de se queimar no fogão. Isso acontece desde o dia em que uma panela de óleo fervendo caiu sobre os pés dela. Ela sentiu os dedos do pé fritarem como torresmos e nunca mais acendeu o fogo de novo. A moça trabalha à noite para sustentar o filho e a mãe. Apesar do olhar cansado, o que chama a atenção é que os lábios dela estão sempre prontos para um beijo. Ainda que mal recebidos por bocas de todo o tipo.


Na rua, a vizinhança adora vê-la pela manhã. A filha de Odete põe o lixo para fora. Usa camisola frouxa e touca nos cabelos. A moça que vem da noite, veste bem. Acho que Prada, talvez. Presente de um gringo italiano. As duas se olham. A mesma idade. A mesma infância. A moça sorri para a amiga em trajes de dormir, que finge não ver. Olha para o outro lado, mas está morrendo de curiosidade para saber de onde a outra vem. Com quem terá saído? Com quantos se encontrou naquela noite?


Mesmo com as perguntas, não olha. Se olhasse, veria a outra limpar uma lágrima. Apenas uma. Lágrima com gosto de um tempo que não existe mais. Um tempo em que as duas brincavam juntas de pular elástico, de pique-esconde, de altinhas e outras brincadeiras mais. Ela lembra da época em que compravam picolés na venda do Sô Manel, na esquina da rua. O tempo passou. Sô Manel está morto. A vizinha de camisola não olha e nem dá atenção. E ela, chupa outras coisas a custa de dinheiro.


Ainda ali, as sete e quinze, ela olha a rua comprida e vê-se a si, andando de bicicleta com outras meninas. Agora, a rua está vazia. Não há mais nada a ser feito, a não ser dormir enquanto o dia acorda. Na cozinha, a mãe já não diz mais nada. Observa a filha recém-chegada. A moça dá bom dia e toma uma xícara de chá de camomila com calmantes para dormir mais e não pensar em nada. E a mãe, pede a Deus para que a filha não engravide de novo.
Antes de o sono chegar, ela vê o filho dormindo com o dedo na boca. Quer beijá-lo na testa, mas exita. Prefere deixar para depois, como sempre costuma fazer. Ela acha o menino bonito, aliás, ele se parece com alguém que ficou para trás. Alguém de quem ela nunca se esqueceu, mesmo depois de tudo que passou.


Já no banheiro, ela se esfrega embaixo d’água para retirar aquela pele de ontem. A mãe bate na porta e diz para não demorar porque ouviu no rádio que era preciso economizar. Vai faltar água hoje. Ela não está nem aí. Quer ficar limpa e dormir sem esperanças de sonhos coloridos. Pensou nele de novo e fechou a torneira. Secou as costas curtas, entrou no pijama e foi dormir. Eram quase oito.