sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Memória XII – Os pioneiros

João Monlevade é uma cidade que tem o pioneirismo em suas veias. Essa vocação para a inovação e para o avanço surgiu há quase duzentos anos, com a chegada do francês Jean Antoine Felix Dissandes de Monlevade, por volta de 1820. Não deve ter sido fácil para ele cruzar o Atlântico numa viagem penosa por cerca de 3 meses.
Além das dificuldades da travessia, imagino os desafios vividos por Jean de Monlevade nos primeiros tempos no Brasil: Diferenças de clima? De cultura, costumes? De linguagem? Nada disso foi entrave para ele, que vislumbrou o futuro edificando uma fábrica no quintal do seu Solar que se tornou referência para toda Minas Gerais.
Ok. Essa história não é segredo para ninguém, mesmo não sendo tão difundida em nosso município. O que chama a atenção é o que aproxima Jean Felix Dissandes de Monlevade com outro estrangeiro, o luxemburguês Louis Jaques Ensch. Ele chegou aqui quando a cidade estava engatinhando e veio com a missão de fechar a usina, pois essa não correspondia às expectativas. No entanto, o engenheiro vislumbrou possibilidades e arriscou na tentativa de reerguer a fábrica, saldando dividas e iniciando uma produção de qualidade.
Além disso, sob a batuta do maestro Ensch, começou a verdadeira transformação local, com a construção das vilas operárias, do centro velho, do Hospital Margarida, do lactário e de tudo o que deu origem ao que a cidade representa hoje.
Os dois pioneiros, Jean “Ensch” e Louis “Monlevade”, são pioneiros de tudo nesta cidade e suas memórias devem ser perpetuadas. Eles estão sepultados no Cemitério dos Escravos, que fica em frente ao Social Clube. Tamanho era o desejo de permanecerem aqui foi que ambos preferiram ser enterrados na terra que edificaram.
É preciso olhar para esses homens, para essas vivências. Homenageá-los, estuda-los. Preservar suas biografias. Até mesmo, para que sirvam de exemplo para que outros inovadores possam surgir e também fazer história. O momento é agora. Estamos diante de um processo de crescimento, com o aumento da capacidade de produção da Usina (a mesma que deu origem a tudo) e o caminho está aberto para novas conquistas. Só não sabe quem não quer.

Memória XI - Os arcontes



Um dos maiores nomes da filosofia contemporânea, o argelino Jacques Derrida, em seu livro “Mal de Arquivo”, teoriza sobre a função dos guardiões da memória. Segundo o pensador, esses, que são chamados arcontes não eram responsáveis apenas pela segurança física do depósito e do suporte. Cabiam-lhes também o direito e a competência hermenêuticas. Tinham o poder de interpretar os arquivos. Depositados sob a guarda desses arcontes, estes documentos diziam, de fato, a lei: eles evocavam a lei e convocavam a lei. Para serem assim guardados, na jurisdição desse dizer a lei eram necessários ao mesmo tempo um guardião e uma localização. Mesmo em sua guarda ou em sua tradição hermenêutica, os arquivos não podiam prescindir de suporte nem de residência.[1]
Em Monlevade também há pessoas que se preocupam em guardar os documentos de memória em suas residências, como se guardassem um tesouro, além de interpreta-los. Cito dois, cujos trabalhos conheço de perto: O escritor e professor Geraldo Eustáquio Ferreira, (Dadinho) e o escritor e fotógrafo Francisco de Paula Santos (Barcelona). Tanto um quanto o outro possuem invejável acervo que compõe um panorama da história da nossa cidade.
Dadinho escreve memórias e possui diversos registros históricos, fotos, diários e livros. Além de possuí-los, sabe também (e tão bem) interpreta-los pelo valor que possuem. Isso o torna um detentor do conhecimento, um arconte legítimo de nossa memória local. Francisco é fotografo e possui, além das imagens de uma Monlevade que passou, também tem em sua propriedade, um vasto arquivo, composto, sobretudo, por exemplares de jornais, revistas, livros e demais impressos publicados na cidade ao longo de trinta anos pelo menos.
Essa análise, a “grossíssimo modo”, vem em forma da divulgação do trabalho voluntário desses homens, que pesquisam, registram, arquivam, protegem e interpretam a memória. Imagino Monlevade no futuro, com um centro de memória em pleno funcionamento, onde se poderá consultar as informações do passado. Passado que hoje é presente, diga-se de passagem. O acervo desse centro está sendo construído desde já.
Os guardiões da memória são tão importantes e necessários quanto os próprios registros. Com eles, os arquivos estão resguardados. E, por serem os responsáveis por esse material, eles têm o poder de avaliá-los, julgá-los, classifica-los. O parecer do arconte sobre a história e a memória torna-se fonte de conhecimento para o futuro.

[1] DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo. Uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.p.7.

Memória X – Nosso patrimônio imaterial



Imagine se nossos saberes forem esquecidos? Os costumes de nossa gente, o modo como vivemos nossas histórias? Imagine se nunca mais lembrarmos daquela cantiga que nossa mãe, avós e tias sempre cantaram? Agora, imagine se começarmos a esquecer de nossas raízes. Lembre-se que raiz tem dois significados básicos: um, é o de sustento, aquilo que dá vida, equilíbio. O outro é o de origem, de nascimento, de surgimento. Os dois termos se complementam de alguma forma. Por isso, não podemos deixar que morram os costumes e tradições monlevadenses, patrimônios imateriais de nosso povo.
Essa riqueza não pode ser tocada, guardada num cofre, ou armazenada em potes de barro ou de ouro. Mas, nem por isso, deixa de ser uma preciosidade, digna de admiração e respeito. Essas belezas já estão incorporadas à cultura local e, talvez por isso, não sejam tão facilmente reconhecidas. Por exemplo, as canções do Congado, das Guardas de Marujo, as festas de Reis, a folia da Vaca Mineira, as festas religiosas de São Sebastião, Santa Rita e São José Operário, a coração de Maria em maio, as cantigas centenárias da Família Alcântara são algumas das riquezas culturais de João Monlevade.
Além disso, não se pode esquecer das histórias da cidade, como os da antiga Usina, por exemplo. Meu pai faleceu há um ano e dois meses. Com ele, morreram uma série de lembranças da antiga “Companhia”, como ele se referia à gigante ArcelorMittal. Perdi a chance de gravá-lo narrando sua forma de trabalhar como maçariqueiro nos idos de 1940, quando aos 15 anos de idade foi fichado como auxiliar de solda.
Ele tinha na memória, fatos da época. Sabia o nome e a função dos companheiros antigos, sabia como era a disposição da Usina, a localização exata dos escritórios, bem como o nome dos encarregados e pequenas histórias sobre eles. Morreu meu pai, morreram essas lembranças que não foram registradas.
Para que outras memórias não desapareçam, é necessário valorizá-las como patrimônio imaterial. Aquele que não pode ser tocado, guardado em caixas ou dependurado na parede. São vivencias e experiências de uma época, de uma vida que devem ser compartilhadas com a geração que virá. Somos assim: homens de memória e precisamos delas para sobreviver.