A memória não é voluntária. Precisa de um “start” para ser ativada, precisa de um motivo para vir à tona e tocar a superfície das águas profundas, nas quais está mergulhada. Assim, ela não tem vontade própria, não surge em nossos pensamentos do nada, de repetente, não mais que de repente. Sempre há necessidade de um gatilho, de um flash inesperado e que desperte essas recordações.
Assim, caminhando pela avenida no fim de tarde, sentindo calor por causa da falta de chuva nesta época do ano, ele pensa nas contas a pagar. Pensa na fatura do cartão de crédito e fala de si para si: “Preciso diminuir esses gastos”. Está concentrando, os passos seguem rápido porque já são dez para as seis e é preciso chegar à lotérica antes que ela feche.
Mas aí, eis que de repente, uma brisa desatenta o pega de surpresa, com um perfume que ele não sentia há tempos. Em frações de segundos ele vasculha os arquivos cerebrais e descobre numa prateleira empoeirada, a lembrança de Maria, a primeira namoradinha.
Eram jovens demais. Ele tinha 14, talvez 15 anos. Ela não muito mais que isso. Mas o perfume que ela usava era aquele, como era mesmo o nome? Nesse instante veloz, nesse assalto repentino de memória, ele diminui o ritmo dos passos e se esquece da conta a pagar. Em seus olhos está Maria, seus cabelos pretos, compridos e molhados, penteados com as pontas dos dedos... Por onde anda hoje? Terá casado? Terá morrido? Faz anos... Mas o perfume, inconfundível, era o mesmo. Esse perfume que ele tanto adorava e que estava adormecido em algum lugar ermo da lembrança voltou a
E a saudade doeu, mas trouxe uma pontinha de prazer nessa recordação: ele e Maria, há tanto tempo, brincando de se amar: e era por toda a vida! Tudo era intenso, a vida era bebida depressa e com a sede dos que amam tão jovens... Maria se foi e ele também nem se lembrava de que fora um rapaz apaixonado um dia.
Bastou o perfume para lembrar. Aquele cheiro adocicado que inundou sua vida, naquele fim de tarde em que a chuva insistia em não chegar e o calor e o tempo seco deixavam tudo mais difícil. O perfume que veio com a brisa, inundou sua alma de memória. E ele agora estava inebriado de nostalgia, do tempo bom em que era rapaz e não tinha com o que se preocupar, a não ser, amar Maria e seus cabelos molhados. Ele riu ao deliciar-se de novo com o amor antigo, o amor infante e seguiu até a lotérica, mas agora, a passos mais lentos.
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Memória XV - Como amendoins
Eu me lembro do seu Zé do Amendoim. Nunca esqueci dos seus “torradinhos”, vendido no campo do Vigilante, no bairro Santa Cruz, onde, na infância, passava dias na casa da minha tia. Seu Zé, marido de Dona Judite, salgadeira de mão cheia, tinha um carrinho cheio de surpresas. Amendoins torradinhos, salgadinhos e que enchiam minhas tardes de alegria.
Seu Zé é muito importante para mim. Aliás, ele mora em mim e ocupa lugar privilegiado em minha memória. Nunca esqueci do gosto do seu amendoim, torradinho, que comia durante os jogos de futebol no campo do Vigilante no Santa Cruz. Nunca mais comi um amendoim como aquele. E duvido que alguém saiba fazer um igual. Nem os maiores mestres da culinária...Não adianta insistir: como aqueles, nunca mais. Isso, porque o sabor que a boca da infância provou, não poderá ser sentido de novo. Coisas proustianas...
Seu Zé do Amendoim está presente e vivo em minhas lembranças de menino para sempre. Com suas mãos negras, ele me afagava a cabeça e me presenteava com um saquinho mágico de amendoins. A lembrança do Seu Zé e de seus amendoins permanece comigo, aonde quer eu vá.
Nos tempos do mestrado em São João del Rei, conheci também, um outro vendedor de amendoins. Ele andava (e ainda deve andar) pelos bares são-joanenses, vendendo a guloseima. Fazia um tipo: cachecol, boina e paletó e uma bolsa com amendoins. Parecia a figura de um avô de 80 anos. Pedia licença, sentava-se à mesa, contava um causo. “Juscelino tomou café aqui, se não me engano, sentado mais ou menos onde você está. Tancredo só gostava de tomar café no balcão”, dizia, para contar que aquele bar já foi um restaurante no passado em que políticos famosos costumavam reunir-se. E ia revelando suas memórias da cidade histórica, falava da vida do lugar e ia nos envolvendo com sua prosa, até a gente comprar uns dois ou três pacotes de amendoins... Eram gostosos, mas nunca como os de seu Zé. O legitimo torradinho que nunca mais comi depois que cresci.
Cada cidade tem os seus personagens célebres e que compõem, mesmo sem querer, a vida das pessoas. São aqueles verdureiros, os garçons, os entregadores de leite, os donos de padaria, as personalidades que ficam vivas para sempre na memória. O vendedor de amendoim de São João é desse tipo. Mas não é como seu Zé, do Vigilante, no Santa Cruz, que está impregnado em mim, vivo, na saudade de seus torradinhos com os quais deliciava-me na infância. A memória é como esses amendoins.
Seu Zé é muito importante para mim. Aliás, ele mora em mim e ocupa lugar privilegiado em minha memória. Nunca esqueci do gosto do seu amendoim, torradinho, que comia durante os jogos de futebol no campo do Vigilante no Santa Cruz. Nunca mais comi um amendoim como aquele. E duvido que alguém saiba fazer um igual. Nem os maiores mestres da culinária...Não adianta insistir: como aqueles, nunca mais. Isso, porque o sabor que a boca da infância provou, não poderá ser sentido de novo. Coisas proustianas...
Seu Zé do Amendoim está presente e vivo em minhas lembranças de menino para sempre. Com suas mãos negras, ele me afagava a cabeça e me presenteava com um saquinho mágico de amendoins. A lembrança do Seu Zé e de seus amendoins permanece comigo, aonde quer eu vá.
Nos tempos do mestrado em São João del Rei, conheci também, um outro vendedor de amendoins. Ele andava (e ainda deve andar) pelos bares são-joanenses, vendendo a guloseima. Fazia um tipo: cachecol, boina e paletó e uma bolsa com amendoins. Parecia a figura de um avô de 80 anos. Pedia licença, sentava-se à mesa, contava um causo. “Juscelino tomou café aqui, se não me engano, sentado mais ou menos onde você está. Tancredo só gostava de tomar café no balcão”, dizia, para contar que aquele bar já foi um restaurante no passado em que políticos famosos costumavam reunir-se. E ia revelando suas memórias da cidade histórica, falava da vida do lugar e ia nos envolvendo com sua prosa, até a gente comprar uns dois ou três pacotes de amendoins... Eram gostosos, mas nunca como os de seu Zé. O legitimo torradinho que nunca mais comi depois que cresci.
Cada cidade tem os seus personagens célebres e que compõem, mesmo sem querer, a vida das pessoas. São aqueles verdureiros, os garçons, os entregadores de leite, os donos de padaria, as personalidades que ficam vivas para sempre na memória. O vendedor de amendoim de São João é desse tipo. Mas não é como seu Zé, do Vigilante, no Santa Cruz, que está impregnado em mim, vivo, na saudade de seus torradinhos com os quais deliciava-me na infância. A memória é como esses amendoins.
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