terça-feira, 28 de abril de 2009

O curioso caso de G.

Para as mulheres, G. era um gordinho simpático e sexy. Mas para os amigos mais íntimos o apelido dele era rolha de poço ou tampão do mar. Estava um pouco acima do peso, é verdade. Aliás, ele sempre esteve acima do peso. Desde a infância, para ser mais exato. Tinha nascido magrinho, mas de tanto tomar fortificantes, emulsões, mingaus de aveia e muita banana caturra, acabou engordando. Tanto, que aos 15 anos pesava 120 kg.
Mas esse não era o problema dele. G. era um professor de sucesso e, aos 50 anos de idade já era titular da cadeira de Literatura Brasileira Século XIX. Entendia tudo de Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, Alencar, além é claro de Flaubert, Eça de Queiroz, Balzac e outros tantos. Era um sujeito de sucesso, reconhecido no meio acadêmico e causava inveja em todos os seus colegas de departamento. Inclusive os casados.
O motivo? Apesar dos seus absurdos 175 kg, G. fazia muito sucesso com as mulheres. E era exatamente esse o seu principal problema, por mais contraditório que isso possa parecer. As alunas suspiravam no curso sobre narrativa machadiana que ele ministrava, na rua, ele era sempre alvo de alguma paquera. E isso o deixava profundamente irritado.
No início, G. gostava. Saía com muitas mulheres: para cada noite da semana tinha uma companhia diferente. De sexta a domingo, ele tinha que rebolar para dar conta do recado. Ás vezes, se encontrava com uma de tarde e outra à noite. No domingo, almoçava com uma e jantava com outra. Vivia namorando e para namorar.
Só que ele se cansou disso e começou a não gostar.
Outro dia, no café em frente à Faculdade Letras, conversava com um amigo sobre isso. Achava esquisito, porque ele não era nenhum Brad Pitt para ser tão desejado. É verdade que julgava ter um certo charme e até tinha. Mas nada que fizesse mocinhas de 20 anos perderem o sono por sua causa.
Certa vez, ele ficou irritadíssimo com uma garota que se derretia por ele. Ela o abordou na rua e, de frente para um outdorr que trazia a imagem do Malvino Salvador sem camisa, exibindo seus gominhos abdominais, disse: “Prefiro os seus pneuzinhos de caminhão a dormir com alguém com uma barriga tão sarada quanto aquela”. G. quis sair correndo depois de ouvir isso.
Ele tinha a certeza de que algo estava errado. Não era normal aquela situação, aquele frisson todo por sua redonda figura. G. procurou uma cartomante. Nas cartas, a mulher viu que o destino dele estava traçado: era um sedutor, um predestinado a conquistar os corações femininos, mas aquilo tudo ia passar, bastava emagrecer.
Então, G. saiu radiante da casa da vidente e decidiu fazer uma dieta. Iria começar no dia seguinte. Comprou pães integrais, iogurtes, chá verde e frutas. Cortou a janta e o chopinho com o amigos no fim de semana. Enquanto não emagrecia, a mulherada não saiu do seu pé. Um dia, uma loura estonteante, com as medidas de uma atriz pornô, disse que queria fazer amor com ele a qualquer custo. G. não entendeu porque já tinha emagrecido vinte quilos e a profecia não se concretizara.
Naquela noite quente de sexta-feira, depois de duas garrafas de frizante e ainda depois de transarem duas vezes, a mulher pediu que ele falasse de Memorial de Aires, último livro de Machado de Assis. Ele pasmou: “Falar do Conselheiro Aires agora?”. E ela: “Claro”. E ele não acreditou no que ouvia.
No dia seguinte, G. desistiu da dieta. Voltou a comer como um paquiderme e não sentiu culpa. Mas, inexplicavelmente, suas medidas não aumentaram como previsto. G. continuou emagrecendo, como um balão de ar furado. E, em menos de quinze dias, estava irreconhecível. Oitenta quilos mais magro, sem precisar reduzir o estomago ou sofrer com a restrição de guloseimas, G. estava mais feliz do que nunca: desde esse dia, nenhuma mulher olhou para ele, seus amigos não mais o invejaram mais e apenas os mais interessados passaram a assistir a suas aulas. Estava tudo normal agora.

Festival de Inverno

Este ano, o Festival de Inverno de Ouro Preto presta homenagem ao Clube da Esquina. A programaçâo ainda nao foi divulgada. É aguardar para ver, porque coisa boa vem por aí. Como Monlevade tem uma extensão da UFOP, organizadora do Festrival, por que também não temos uma extensão do Festival de Inverno? Bem a Casa de Cultura poderia tentar algo...

Sobre a história de um certo francês


Muita gente sabe que certo engenheiro francês desembarcou no Brasil em 1817 e foi o pioneiro da siderurgia nacional. Ele se chamava Jean Antoine Félix Dissandes de Monlevade e desbravou essas terras, dando origem a nossa cidade. Pois bem. Mas o que ficou por trás dessa história, os elementos que compuseram a trajetória dele e o perfil desse homem, sobretudo os detalhes de sua vida e obra nunca foi amplamente divulgado.
Não por falta de interesse ou de cuidado. Pelo contrário. Muitos são os artigos, reportagens, citações em livros, declarações apaixonadas, entre outros escritos soltos que foram produzidos para falar mais do francês que chegou à região, provavelmente, em fins de 1818. Porém, todas essas informações importantes acerca do pioneiro Jean de Monlevade encontram-se desvinculadas umas das outras, algumas guardadas em documentos oficiais do Centro de Cultura e Memória da ArcelorMittal (unidades de Monlevade e Sabará), outras guardadas em cartórios, outras em livros, outras em fragmentos de jornais de época, etc.
Para tentar agrupar esses dados, divulga-los e ainda despertar o interesse por essa história, recebi o desafio proposto pelo diretor do A Notícia, Márcio Passos, para escrever um livro sobre a trajetória de Jean de Monlevade. “Um livro?”, pensei. E imaginei que essa tarefa iria dar muito pano para a manga. E deu. Após aceitar a empreitada literária, parti para pesquisas, leituras e releituras de documentos e textos que pudessem embasar a escrita dos passos desse engenheiro francês que chegou ao Brasil aos 28 anos de idade.
Como disse, apesar dos muitos textos sobre o francês, poucos foram os documentos oficiais encontrados durante a cata de informações a respeito de tão nobre homem. Isso, sem falar nos vários personagens que participaram da vida dele no Brasil: Guido Marlièrie, Barão de Catas Altas, Auguste Saint-Hilaire, entre outros tantos nomes. Então, parti para a imaginação para costurar toda essa trama, amarrando datas e personagens, acontecimentos e situações, realidade documental e ficção pura, orientado pela máxima do genial Garcia Marques: “Espero contar uma história que ninguém contou antes”.
O resultado foi o romance “Nas Terras Pesadas de Metais e Espantos”, com cerca de 150 laudas, onde são relatadas as aventuras e desventuras desse herói francês, que adotou o Brasil como pátria e que era respeitadíssimo por nativos e estrangeiros, por homens nobres e escravos.
Acredito que possa ter havido, sim, algumas pequenas falhas, até porque não sou historiador e tive pouco mais de um ano para compor a obra. Mas sem dúvida, esse é o primeiro romance sobre o pioneiro Jean de Monlevade e sua vida no Brasil do século XIX. Devo isso, sem dúvida, à iniciativa de Márcio Passos e ao custeio da pesquisa feito pelo Jornal A Notícia. Mas o que mais me emocionou foi descobrir tanta paixão desse francês por essa terra, tanta dedicação e empenho ao trabalho, além de seu empreendedorismo que tanto marca a Usina que ele criou. Até os dias de hoje.
Aos 45 anos de emancipação política, a cidade de João Monlevade pode se orgulhar dos seus quase 184 de história, se considerarmos que o Solar onde o pioneiro morou, (a Fazenda do Centro Industrial, pertencente à Usina) provavelmente, foi erguido em 1825. Além disso, a cidade também tem do que se orgulhar por ser uma das poucas mineiras fundadas por um francês. Acho que além daqui, apenas Guidoval e Marliéria, ambas oriundas dos feitos do militar Guido Thomas Marlièrie; Santo Hilário, por causa da passagem de Saint-Hilaire a uma pequena vila do Sul de Minas, Itabira, por causa de Raoul de Caux, nenhuma outra carrega sua origem nos passos de franceses na então província das Gerais. Bem. Isso é outra história, a qual não me arrisco muito a palpitar.
Porém, acho que o ano da França no Brasil, talvez um dos mais importantes eventos de 2009, iniciado no último dia 21 e marcado para terminar em 15 de novembro, não poderia passar em branco sem alguma comemoração na nossa Monlevade. Afinal, o evento vem para mostrar que é possível compartilhar valores, ideais, interesses e cultura, entre duas nações tão distintas e nem por isso menos próximas. Monlevade merece isso. E muito mais.

O letrista dos anjos



Conheci Marco Martino enquanto fazia uma matéria para o caderno Variedades do Jornal A Notícia, sobre o festival do Aço excelente iniciativa da Rádio Alternativa (em 2005 ou 2006). Ele estava na organização do evento, ajudando a selecionar as canções inscritas. Fiquei emocionado e com vontade de dizer a ele o quanto sou fã de seu trabalho. Não o fiz por achar a ocasião imprópria. Agora, escrevo aqui...

Pois bem! Foi em 1998, a primeira vez que ouvi falar desse camarada. Na época, eu estava com 15 ou 16 anos e através do amigo músico Daniel Bahia, fui apresentado a uma das mais fantásticas bandas de rock: República dos Anjos.

Eu era metido a escrever letras de músicas e arriscava alguns poemas também. Mas fiquei pasmo ao ouvir aquelas canções. "Ela me pediu um tempo/ perguntei se era para cronometrar/ disse que me amava/ mas que precisava de um tempo pra pensar". Foram os primeiros versos que ouvi na voz roqueira de Martino, depois de ter ficado paralisado com a introdução feita na guitarra...

Sentei no sofá de casa e ouvi o disco inteiro, na maior altura, prestando atenção naquelas letras e naquele som. Pensei: "Por que esses caras nao estouram?", afinal, a música deles é muito melhor que a de outras bandas que estão na mída. São coisas que só fui entender mais tarde.

Ainda nessa época fui a um show deles em Monlevade, junto com Insígnias Ducais (eita, isso tem tempo!) e fiquei novamente fascinado com aquela energia ao vivo. Infelizmente, logo depois disso, a banda deu um tempo e cada integrante partiu para voo solo. Acho que já está na hora deles voltarem...

Depois do meu primeiro contato com Martino, vez ou outra, trocamos idéias via MSN e foi numa dessas vezes que ele me apresentou outros trabalhos musicais, sendo que um deles - o CD Serenata- foi tema de um artigo escrito para uma disciplina no mestrado e muito bem recebido pela professora.
Para quem nãoo conhece o som do República dos Anjo, vale dar uma acessada no site http://palcomp3.cifraclub.terra.com.br/republicadosanjos e se deliciar com as canções, sobretudo, com as letras do Marcos Martino.

O letrista dos anjos é um dos principais ativistas e divulgadores da cultura de Alvinópolis, ao lado de Juninho, Geovanio e outros bambas. Ele ainda mantém os blogs http://www.alvinopolisquepensa.blogspot.com/ e http://www.marcosmartino.blogspot.com/, além de desenvolver trabalhos publicitários.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O homem do (e)terno cinza



Eu sei um segredo daquele cara de terno cinza e gravata preta, sentado na primeira fila para atendimento no Banco. Vocês nem imaginam. É um segredo bobo, eu sei. Mas como os segredos sempre mexem com a curiosidade, resolvi provocar um pouquinho. Então, aquele cara de terno cinza é um homem sério, mora sozinho num apartamento alugado e come farinha láctea antes de dormir. Se vocês olharem bem e repararem com atenção, há alguns farelinhos no paletó. Bem ali, perto da gola.
O nome dele é Fernando. O sobrenome eu desconheço. Mas sei de outras coisas. Quando criança, por exemplo, ele morava perto da casa da minha avó, mas não saía muito à rua como os outros garotos. Sempre magro, sempre tossindo muito, aparecia de vez em quando, mas a mãe dele logo o chamava: “vem pra dentro, senão constipa!”
Ah é. A mãe dele... que figura tétrica! Usava umas meias grossas até a barra da saia jeans e surrada, mesmo nos mais quentes dias de verão. Além disso, trazia nos ombros um ponche ou um xale cinza, cheirando a coisa guardada. Seus cabelos eram envoltos em rolinhos pequenos, multicoloridos e cheios de caspa. Ela não ria jamais.
O menino cresceu ouvindo sua mãe dizer que ele ia morrer de alguma doença braba se ficasse brincando com os outros moleques. Por isso, ele se resguardava em torno dela, tomando todos os tipos de remédios que se possa imaginar. Esse é o segredo dele. Não espalhem, por favor, porque detesto fofoca: Ele é um hipocondríaco radical. Mesmo sem nunca ter transado, mesmo sem nunca ter usado drogas injetáveis ou recebido sangue, acordou um dia jurando que estava com AIDS. Fernando sempre acreditava que poderia estar muito doente.
E temendo a iminência da morte, ele nunca tira o terno cinza. Fernando quer ser enterrado com ele e fica esperando a morte chegar a qualquer momento. Hoje, ele está ali, na fila do banco, para depositar o seu seguro de vida (coisa que faz desde os 16 anos). Observem que ele está sempre tomando um comprimido. São coquetéis de antiácidos e antigripais para evitar qualquer problema maior.
Fernando vai ser atendido agora. Se não me engano, vai limpar o suor das mãos depois que apertar a da atendente. Viram? Não falei! Ele faz isso desde novo. É para evitar que seja contaminado por alguma bactéria transmitida pelo toque dos outros. Agora ele vai sair. Segue seu caminho solitário, Fernando.
O que ninguém poderia imaginar, nem o narrador das linhas acima, é que depois que saiu do Banco, depois de buscar o resultado mensal do exame de sangue no laboratório, depois ainda de evitar qualquer contato com outra pessoa, depois também de tomar uma injeção de vitaminas A, D e E, Fernando foi atropelado por um ciclista e arrebentou a cabeça no meio fio, bem no centro da cidade. Morreu feito um passarinho, depois de chocar-se contra uma árvore no meio do temporal.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Sobre um quarto de século


Eu nasci em 1982 e, como muitos da minha geração, acreditava que o mundo fosse acabar no ano 2000. Morreria aos 18 anos, como um poeta romântico do século XIX. Achava que o fim dos tempos chegaria como naquelas previsões: mil passará, mas dois mil não chegará, que sempre ouvi dos mais velhos. Imaginava que o mundo desaparecesse de forma simples: boooom! E pronto. Sem aquele tom de catástrofe presente no imaginário popular.


O ano 2000 chegou e o mundo não acabou. Pelo contrário, outro mundo se abriu para mim: fui contratado como repórter deste então semanário. Essa história eu já contei. Mas quero registrar minha eterna gratidão e orgulho de ter entrado no mundo da escrita por meio do A Notícia, que completa na próxima segunda, 13, vinte e cinco anos.


Um quarto de século parece pouco. Mas é muito tempo se pensarmos em quantas pessoas passaram pela equipe de redação, quantas edições circularam, quantas fotografias foram tiradas, quantas pautas foram pensadas, quantas entrevistas feitas, quantas notícias alegres, quantas notas tristes... São vinte e cinco anos de uma vivência intensa junto da região do Médio Piracicaba, sendo fiel a princípios morais e ao tão respeitado compromisso com o leitor.


É preciso comemorar e festejar a data, com o orgulho dos campeões e o suspiro de quem sabe bem os caminhos que percorreu até chegar aonde chegou. Além disso é importante frisar que mais da metade dos 45 anos da história do município estão registrados nas páginas do jornal. Arquivos de ouro para a preservação da memória de nossa cidade.


Ninguém discorda que o jornal A Notícia é um dos mais importantes veículos jornalísticos da região. O reconhecimento veio com a certificação ISO e com os inúmeros prêmios e homenagens recebidos ao longo desses anos, sem falar nos seus recordes de vendagem nas bancas e, principalmente, pela capacidade de fomentar a opinião do povo, provocando debates e reflexões nas manhãs de terças e sextas-feiras.


Ainda estamos nos anos 2000. O mundo não acabou, apesar da crise batendo na porta e na aorta de muita gente. Eu não estou mais na redação, apesar de ocupar este espaço como colaborador. Mas o jornal continua agradando a uns, desagradando a outros tantos. Sempre cumprindo o seu papel fundamental: informar com precisão, apresentando edições, tanto bonitas de se ver quanto interessantes de se ler.


Parabéns a todos aqueles que escreveram e que ainda escrevem as linhas desta história. Parabéns aos leitores, aos colaboradores, aos jornaleiros. Parabéns aos parceiros, aos fotógrafos, aos chargistas, aos diagramadores, aos impressores, aos revisores. E sobretudo, parabéns ao Márcio Passos, que iniciou essa empreitada, matando leões diários para vencer as barreiras; parabéns também à Maria Cecília, sua filha, que dá continuidade a essa grandiosa obra.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Haicais ordinários

I
Tudo passa
como errante
nuvem de fumaça

II
Beijo tua boca
Sem beijar
teu travesseiro

III
Olha por que
a redonda bolha
é meio molhada?

IV
O Poema Sujo
é mais limpo
que a sua bondade

quinta-feira, 2 de abril de 2009

A casa de Oliver T.


Não era uma casa apenas. Tinha, sobretudo, um ar de mistério a morada de Oliver T., engenheiro aposentado, sem filhos e sem amores. Ali ele escondia seus prazeres, seus pequenos delitos, seus hábitos pouco convencionais. Não que Oliver T. fosse um homem que levantasse suspeitas. Pelo contrário: era querido pela vizinhança e simpático com todos. Mas tinha um costume incomum. Ele, homem solitário aos 67 anos, gostava de caixinhas. Colecionava-as e, dentro das maiores, guardava outras menores e, dentro dessas, colocava outras menores ainda, até chegar às minúsculas caixas de botão de camisa. Era um vício. Oliver T. entrava nas lojas, mas não comprava nada. Ele apenas observava os objetos de sua paixão calorosa. Poderia passar horas diante das vitrines observando as caixas: redondas, coloridas, quadradas, com texturas, ranhuras, caixas e mais caixas. Quando perguntado se queria alguma coisa, Oliver perguntava se as caixas estavam à venda. “Se comprar uma camisa, pode levar a caixa”, foi o que disse a vendedora. “Eu compro. Quero as caixas”. Em casa, o engenheiro cuidava delas como se cuidasse de celebridades. Tinha armários especiais montados só para acondicioná-las. No quarto do fundo, que também parecia uma caixa dentro de casa, ele as ordenava, seguindo um método de arquivistica. As caixas tinham nomes como tem os animais de estimação. Oliver passava dias dentro do quarto observando suas preciosidades. Dava risadas, rodopios com alguma na mão. Tinha verdadeira estima por elas. Não importava se eram de papelão ou de madeira. Amava todas, mais do que amava a se mesmo. Um dia decidiu fazer uma obra na casa. Ele mesmo desenhou o novo projeto. A idéia era construir uma espécie de labirinto entre os quartos, de maneira que a porta de um se abrisse dentro do outro. Os quartos também tinham uma disposição diferenciada: os maiores continham os menores. O último era inversamente proporcional ao primeiro, sendo pouco maior que um cubículo secreto. Obras a todo vapor e Oliver T. salivava diante de seu estranho projeto. Dormia e sonhava com os labirintos borgianos que apareciam à sua frente. Eram caminhos apenas de ida. Ninguém poderia voltar de lá. Mas ele, apenas ele, sabia o caminho de volta. E não precisava espalhar migalhas de pão ou desenrolar um novelo de linha. Sabia a estrutura do lugar de cor e se realizava com isso. Acordou feliz naquela manhã em que sua obra ficaria pronta. Sua casa se transformou num imenso corredor de doze cômodos fechados, sem janela, com apenas uma porta de entrada. Os quartos grandes da casa do engenheiro iam diminuindo de tamanho à medida que se abriam as portas e se mergulhava naquelas paredes de concreto e cheirando a tinta fresca. O último era o mais secreto. O menor, o mais quente. Nele, Oliver não cabia em pé. Não podia abrir os braços, tinha que se acomodar quase de cócoras, como se habitasse uma casa de bonecos. Ali, nesse local pouco confortável e convencional, é que ele se sentia melhor. Sentia-se protegido, como se tivesse regressado ao útero materno, como se nada no mundo pudesse atingi-lo. E foi assim que Oliver T. sumiu. Ninguém na rua o via mais. Ninguém na vizinhança o ouviu assobiar. Dentro de casa, de seus cômodos, Oliver foi morar para sempre encaixotado, tão recluso como se seus segredos nunca pudessem ser revelados, como se a vida não passasse de um objeto guardado dentro de uma caixinha de músicas.

No Papini

Na quarta-feira, 1º de abril, estive na escola Estadual Antônio Papini, a convite das professoras Lucília e Bel, para falar aos alunos sobre Literatura. Por cerca de 30 minutos, falei um pouco do meu interesse pela leitura, meu processo de criação textual, além de como criei o hábito de escrever. Atentas, as crianças com idades entre 8 e 11 anos, me ouviram com um interesse surpreendente.
Fiquei feliz com a empolgação deles com um concurso literário promovido pela escola, além de ter apreciado bons poemas escritos por eles. Esse é o resultado de um trabalho digno de aplausos de todas as professoras e da equipe pedagógica da escola que incentivam as crianças a gostar de ler, além de criar seus próprios textos. Com leitores que mergulham no universo literário por prazer, dá para acreditar que o Brasil ainda pode ser o país do futuro!

No Papini II

Ainda durante a visita, fui bombardeado com perguntas das mais diversas:
- "Qual foi primeiro livro que você leu?"
- "Quantas crônicas você já escreveu?"
- "Escritor ganha muito dinheiro?"
- "Qual o seu poema preferido?"

Essas perguntas me deixaram muito feliz porque percebi que os meninos e meninas têm uma vontade grande de ler cada vez mais. Além disso, as crianças mostraram que é possível aprender a gostar de ler sem a obrigação chata de fichas de leitura ou coisa do tipo. Elas estão lendo porque gostam e porque querem. Estão de parabéns!