Eu sei um segredo daquele cara de terno cinza e gravata preta, sentado na primeira fila para atendimento no Banco. Vocês nem imaginam. É um segredo bobo, eu sei. Mas como os segredos sempre mexem com a curiosidade, resolvi provocar um pouquinho. Então, aquele cara de terno cinza é um homem sério, mora sozinho num apartamento alugado e come farinha láctea antes de dormir. Se vocês olharem bem e repararem com atenção, há alguns farelinhos no paletó. Bem ali, perto da gola.
O nome dele é Fernando. O sobrenome eu desconheço. Mas sei de outras coisas. Quando criança, por exemplo, ele morava perto da casa da minha avó, mas não saía muito à rua como os outros garotos. Sempre magro, sempre tossindo muito, aparecia de vez em quando, mas a mãe dele logo o chamava: “vem pra dentro, senão constipa!”
Ah é. A mãe dele... que figura tétrica! Usava umas meias grossas até a barra da saia jeans e surrada, mesmo nos mais quentes dias de verão. Além disso, trazia nos ombros um ponche ou um xale cinza, cheirando a coisa guardada. Seus cabelos eram envoltos em rolinhos pequenos, multicoloridos e cheios de caspa. Ela não ria jamais.
O menino cresceu ouvindo sua mãe dizer que ele ia morrer de alguma doença braba se ficasse brincando com os outros moleques. Por isso, ele se resguardava em torno dela, tomando todos os tipos de remédios que se possa imaginar. Esse é o segredo dele. Não espalhem, por favor, porque detesto fofoca: Ele é um hipocondríaco radical. Mesmo sem nunca ter transado, mesmo sem nunca ter usado drogas injetáveis ou recebido sangue, acordou um dia jurando que estava com AIDS. Fernando sempre acreditava que poderia estar muito doente.
E temendo a iminência da morte, ele nunca tira o terno cinza. Fernando quer ser enterrado com ele e fica esperando a morte chegar a qualquer momento. Hoje, ele está ali, na fila do banco, para depositar o seu seguro de vida (coisa que faz desde os 16 anos). Observem que ele está sempre tomando um comprimido. São coquetéis de antiácidos e antigripais para evitar qualquer problema maior.
Fernando vai ser atendido agora. Se não me engano, vai limpar o suor das mãos depois que apertar a da atendente. Viram? Não falei! Ele faz isso desde novo. É para evitar que seja contaminado por alguma bactéria transmitida pelo toque dos outros. Agora ele vai sair. Segue seu caminho solitário, Fernando.
O que ninguém poderia imaginar, nem o narrador das linhas acima, é que depois que saiu do Banco, depois de buscar o resultado mensal do exame de sangue no laboratório, depois ainda de evitar qualquer contato com outra pessoa, depois também de tomar uma injeção de vitaminas A, D e E, Fernando foi atropelado por um ciclista e arrebentou a cabeça no meio fio, bem no centro da cidade. Morreu feito um passarinho, depois de chocar-se contra uma árvore no meio do temporal.
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