Dizem que ela saiu um dia para comprar alguma coisa qualquer e não voltou tão cedo. O marido esperou, a família esperou e ela nada de aparecer ou dar notícias. Chamaram a polícia, o IML, foram em hospitais e continuaram sem notícia. Publicaram anúncios, chamaram a imprensa e nada. A mãe foi ficando cada vez mais triste, o pai foi ficando cada vez mais bêbado. Apenas o marido esperou. Sabia que um dia ela ia voltar de qualquer maneira, nem que fosse para buscar seus brincos prediletos. Toda noite ele se sentava na sala e, se fazia frio, enrolava-se num edredom; se calor, ficava sem camisa. Todas as noites. O tempo passou, as coisas passaram, a vida passou. Foram 20 anos de expectativa desde aquela tarde em que ela desapareceu, até que ela entrou em casa. Misteriosamente. Bateu o portão como costumava. Espirrou antes de girar a maçaneta, como sempre fizera. Olhou para o marido, envelhecido e gasto de tanta espera e falou, como se estivesse saído a apenas 20 minutos: “Demorei”? O marido não respondeu porque achava que aquela não era a sua esposa. Mesmo assim, ela estava com a mesma roupa de vinte anos atrás e ainda tinha os cabelos molhados, como da última vez em que saíra. Estava igual. Exatamente igual. O marido, sem dizer uma palavra sequer, continuou sentado em sua poltrona, vinte anos mais velho, mais gordo e mais triste. Ela apenas disse: “A rua estava lotada, parece véspera de Natal! E de pensar que nós ainda estamos em fevereiro..."
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Um velho piano, num velho clube
Era um piano de madeira que já fora muito solicitado em concertos de antigamente no imponente clube daquela cidade do interior de Minas. Aliás, como na maioria das cidades do interior de Minas, os clubes onde freqüentavam as grandes rodas, hoje perderam o glamour e se transformaram num espaço permanente de saudosismo e decadência misturados.
E o velho piano que acompanhou cantoras clássicas em canções não menos clássicas, hoje está ali, encostado a um canto, triste e quase silencioso por completo. Só não é mais por causa de algum curioso insistindo em apertar uma tecla em vão. Crianças também o adoram e batucam em seu teclado revestido de marfim, como se batuca um brinquedo sem maior importância.
O clube da cidade do interior onde está o piano de madeira também não é mais o mesmo. Não fosse por alguma recepção esporádica, de casamento ou alguma festa particular, ele estaria ali, como um velho elefante que se afasta da manada jovem para morrer em paz na mais completa solidão.
As grandes festas regadas a champanhe e a salgados finos, os cocktails concorridos e os incríveis bailes de debutantes ficaram na lembrança. Hoje, o salão principal tem o piso roto, gasto de tanta dança, riscado por pés que não bailam mais. As paredes manchadas pelas mãos do tempo perderam a elegância. Portas e janelas sem vidro não impedem os olhares de estranhos que passam lá fora.
O velho piano, emudecido por traças e poeira, dá o tom a uma época que também passou. Ah! O piano que tocou hits da bossa que se apresentou como nova, o piano que embalou casais em bailinhos de domingo após a missa, que fez a moçada balançar o esqueleto com o rock de Elvis e Fevers, agora se encerra em sua própria tampa.
Lá fora do clube e longe do instrumento relegado, a vida corre normal. As pessoas correm atrás de suas contas, as crianças brincam com todos os seus brinquedos que também um dia serão esquecidos. No canto, o piano espera. E não sabe o quê. Apenas silencia.
Ele é a representação de tudo o que não há mais. É como uma dor de saudade profunda e com arestas para nos lembrar daquilo tudo que já se foi. O clube da pequena cidade do interior de Minas não recebe mais a alta sociedade de outrora. Essa também não existe. O clube e o piano vivem sem as razões que um dia os edificaram e, talvez por isso, não sejam mais tão solicitados.
Em tempo
Essa crônica é dedicada a tudo o que foi um dia e que hoje perdeu a esperança. O Automóvel Clube de Nova Era, assim como outros clubes da região, merecem mais respeito e empenho para voltar a ser o que foram um dia.
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