Não era uma casa apenas. Tinha, sobretudo, um ar de mistério a morada de Oliver T., engenheiro aposentado, sem filhos e sem amores. Ali ele escondia seus prazeres, seus pequenos delitos, seus hábitos pouco convencionais. Não que Oliver T. fosse um homem que levantasse suspeitas. Pelo contrário: era querido pela vizinhança e simpático com todos. Mas tinha um costume incomum. Ele, homem solitário aos 67 anos, gostava de caixinhas. Colecionava-as e, dentro das maiores, guardava outras menores e, dentro dessas, colocava outras menores ainda, até chegar às minúsculas caixas de botão de camisa. Era um vício. Oliver T. entrava nas lojas, mas não comprava nada. Ele apenas observava os objetos de sua paixão calorosa. Poderia passar horas diante das vitrines observando as caixas: redondas, coloridas, quadradas, com texturas, ranhuras, caixas e mais caixas. Quando perguntado se queria alguma coisa, Oliver perguntava se as caixas estavam à venda. “Se comprar uma camisa, pode levar a caixa”, foi o que disse a vendedora. “Eu compro. Quero as caixas”. Em casa, o engenheiro cuidava delas como se cuidasse de celebridades. Tinha armários especiais montados só para acondicioná-las. No quarto do fundo, que também parecia uma caixa dentro de casa, ele as ordenava, seguindo um método de arquivistica. As caixas tinham nomes como tem os animais de estimação. Oliver passava dias dentro do quarto observando suas preciosidades. Dava risadas, rodopios com alguma na mão. Tinha verdadeira estima por elas. Não importava se eram de papelão ou de madeira. Amava todas, mais do que amava a se mesmo. Um dia decidiu fazer uma obra na casa. Ele mesmo desenhou o novo projeto. A idéia era construir uma espécie de labirinto entre os quartos, de maneira que a porta de um se abrisse dentro do outro. Os quartos também tinham uma disposição diferenciada: os maiores continham os menores. O último era inversamente proporcional ao primeiro, sendo pouco maior que um cubículo secreto. Obras a todo vapor e Oliver T. salivava diante de seu estranho projeto. Dormia e sonhava com os labirintos borgianos que apareciam à sua frente. Eram caminhos apenas de ida. Ninguém poderia voltar de lá. Mas ele, apenas ele, sabia o caminho de volta. E não precisava espalhar migalhas de pão ou desenrolar um novelo de linha. Sabia a estrutura do lugar de cor e se realizava com isso. Acordou feliz naquela manhã em que sua obra ficaria pronta. Sua casa se transformou num imenso corredor de doze cômodos fechados, sem janela, com apenas uma porta de entrada. Os quartos grandes da casa do engenheiro iam diminuindo de tamanho à medida que se abriam as portas e se mergulhava naquelas paredes de concreto e cheirando a tinta fresca. O último era o mais secreto. O menor, o mais quente. Nele, Oliver não cabia em pé. Não podia abrir os braços, tinha que se acomodar quase de cócoras, como se habitasse uma casa de bonecos. Ali, nesse local pouco confortável e convencional, é que ele se sentia melhor. Sentia-se protegido, como se tivesse regressado ao útero materno, como se nada no mundo pudesse atingi-lo. E foi assim que Oliver T. sumiu. Ninguém na rua o via mais. Ninguém na vizinhança o ouviu assobiar. Dentro de casa, de seus cômodos, Oliver foi morar para sempre encaixotado, tão recluso como se seus segredos nunca pudessem ser revelados, como se a vida não passasse de um objeto guardado dentro de uma caixinha de músicas.
quinta-feira, 2 de abril de 2009
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