Um dos maiores nomes da filosofia contemporânea, o argelino Jacques Derrida, em seu livro “Mal de Arquivo”, teoriza sobre a função dos guardiões da memória. Segundo o pensador, esses, que são chamados arcontes não eram responsáveis apenas pela segurança física do depósito e do suporte. Cabiam-lhes também o direito e a competência hermenêuticas. Tinham o poder de interpretar os arquivos. Depositados sob a guarda desses arcontes, estes documentos diziam, de fato, a lei: eles evocavam a lei e convocavam a lei. Para serem assim guardados, na jurisdição desse dizer a lei eram necessários ao mesmo tempo um guardião e uma localização. Mesmo em sua guarda ou em sua tradição hermenêutica, os arquivos não podiam prescindir de suporte nem de residência.[1]
Em Monlevade também há pessoas que se preocupam em guardar os documentos de memória em suas residências, como se guardassem um tesouro, além de interpreta-los. Cito dois, cujos trabalhos conheço de perto: O escritor e professor Geraldo Eustáquio Ferreira, (Dadinho) e o escritor e fotógrafo Francisco de Paula Santos (Barcelona). Tanto um quanto o outro possuem invejável acervo que compõe um panorama da história da nossa cidade.
Dadinho escreve memórias e possui diversos registros históricos, fotos, diários e livros. Além de possuí-los, sabe também (e tão bem) interpreta-los pelo valor que possuem. Isso o torna um detentor do conhecimento, um arconte legítimo de nossa memória local. Francisco é fotografo e possui, além das imagens de uma Monlevade que passou, também tem em sua propriedade, um vasto arquivo, composto, sobretudo, por exemplares de jornais, revistas, livros e demais impressos publicados na cidade ao longo de trinta anos pelo menos.
Essa análise, a “grossíssimo modo”, vem em forma da divulgação do trabalho voluntário desses homens, que pesquisam, registram, arquivam, protegem e interpretam a memória. Imagino Monlevade no futuro, com um centro de memória em pleno funcionamento, onde se poderá consultar as informações do passado. Passado que hoje é presente, diga-se de passagem. O acervo desse centro está sendo construído desde já.
Os guardiões da memória são tão importantes e necessários quanto os próprios registros. Com eles, os arquivos estão resguardados. E, por serem os responsáveis por esse material, eles têm o poder de avaliá-los, julgá-los, classifica-los. O parecer do arconte sobre a história e a memória torna-se fonte de conhecimento para o futuro.
[1] DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo. Uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.p.7.
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