sexta-feira, 23 de abril de 2010

Poema

Nao sei sentir mais o que que queria ouvir

Agora, há silêncios e passados sobre mim

De tudo, nada restou além do amor

que é também uma espécie de todas as coisas

terça-feira, 20 de abril de 2010

Como se fosse a última vez

Ele não pensava que poderia amá-la do jeito que a amou um dia, novamente. Passados anos de casados, naquela tarde de sexta-feira, fora acometido de uma repentina paixão pela esposa. Estava no escritório diante de burocráticas e chatíssimas pendências, quando veio à sua mente, a lembrança dela. A imagem da mulher saindo do banho, enrolada na toalha cotidiana a caminho da penteadeira, onde se sentaria para o ritual de passar cremes e mais cremes diante do espelho deixou-o deslumbrado.
Por um instante, parou com a caneta na boca e ficou sorrindo sozinho olhando para a janela à sua frente e enxergando a cena diária da esposa saindo do banho. Não tinha nada de diferente nessa imagem. O que o deixou perplexo e com o coração acelerado pensando nela, foi ter se dado conta de que já havia passado 20 anos ao lado dela e ele nunca percebera no quão intensa era a beleza feminina da esposa ao sair do banho, enrolada numa toalha.
Seus olhos brilhavam e ele sentia as mãos suadas, ao distinguir um a um os cheiros do seu cabelo, da sua pele ainda úmida do banho misturando à textura macia dos cremes. Suas mãos deslizando pelas pernas, alisando a panturrilha e a coxa enquanto camada após camada do macio perfumado hidratante tornava ainda mais viçoso o seu corpo. Em seguida, a mulher secava os cabelos, num gesto contínuo e quase sensual, da maneira que só as mulheres sabem.
Eram quinze para as quatro da tarde e ele ali no escritório a lembrar-se dela. Naquele momento, esqueceu-se dos prazos vencendo e decidiu ir para casa para amá-la e ser feliz. Era preciso fazer isso: abraçá-la e beijá-la como se fosse a última vez. E assim fez. Deixou o escritório sob a luz forte da tarde e caminhou para o carro. Sim. Ia para casa encontrá-la. Pensou em avisá-la, mas preferiu fazer uma surpresa.
Assim que ligou o veículo, colocou para tocar uma canção da qual gostava. Fernanda Porto, numa versão moderna trazia à tona um antigo sucesso de Tom e Vinícius imortalizado por Elis. “Você que é feita de azul, me deixa morar nesse azul, me deixa encontrar minha paz, você que é bonita de mais”, cantava junto, o s versos de “Só tinha de ser com você”. Parou o carro em um sinal de trânsito. Do outro lado da rua, ia uma mulher caminhando com seu cachorro a caminho do parque. Ele achou a imagem bonita. Olhou mais a frente e um casal adolescente tomava sorvete de mãos dadas. Do outro lado, uma menina passava correndo. Ele gostava das cenas que via. Na verdade, estava apaixonado e achava tudo bonito, tudo fantástico, tudo com o ar de sobrenaturalidade. Decidiu parar para comprar um presente para ela. Mais prático, foi a uma floricultura e comprou um buquê enorme de rosas vermelhas. Voltou ao carro e foi a mil para casa.
Ao chegar em casa estacionou o carro e entrou depressa. Antes que a esposa questionasse o por quê dele estar ali àquela hora, beijou-lhe a boca com a vontade dos que se amam e que não se vêem há muito tempo. Surpresa, a mulher não entendeu, mas gostou do carinho ousado naquela autura da vida. Ele não disse nada. Apenas sorriu. Ela sorriu de volta. Então ele disse a ela que em vinte anos, ela nunca estivera tão bonita. Ela sorriu do galanteio. A partir deste momento, não se desgrudaram mais. E os dois, após tanto tempo de casado, se abraçaram e se beijaram e se amaram intenso a tarde toda como dois jovens amantes. A velha chama se reacendera nos seus corações cinqüentenários. E surgira a partir de um instante, a partir de um segundo que trouxe à tona toda a vivacidade de um tempo que passara. E voltaram a namorar, com uma necessidade tamanha um do outro, como se fosse a última vez que o fizessem