O mundo gira rapidamente, assim como as águas do rio correm para abraçar o mar. E eu pergunto: você já olhou para o céu hoje? A maioria das pessoas, cada vez mais introspectivas, remoendo cada qual o seu pequeno e particular problema não olham nos olhos e nem se preocupam com as coisas que estão ao redor. Parece que deu a louca e ninguém mais percebe as coisas fundamentais para um cotidiano feliz.
Sim, o cotidiano pode ser feliz. Tolo é quem se queixa da rotina. Afinal, não há nada no mundo que funcione sem organização, sem processos metodológicos. E é isso que constitui a rotina. Tudo bem. Concordo que fazer as mesmas coisas diariamente enche a paciência de todo mundo. Mas, por que não tentar fazer as mesmas coisas, de outra forma, buscando um novo olhar sobre elas?
Há quanto tempo você não olha o céu? Não olha as nuvens de dezembro e o azul das manhãs que antecedem o Natal? Você percebe, no ar, um cheiro de esperanças a serem renovadas com o nascer de um novo ano? Não? Então é preciso rever alguns conceitos. É necessário inventar de novo o amor, conforme cantou Vinícius.
Vivemos a era do imediatismo. Tudo é para ontem, mas a durabilidade é pouca. Isso é, as coisas de tão intensas, acabam passando muito rápido e escorrem entre os dedos feito finos grãos de areia ao menor soprar de vento. Tudo se vai, às vezes, sem nem dar tempo para as saudades. Assim, preocupada com a manutenção do efêmero, muita gente se esquece de coisas menores, mas nem por isso menos importantes.
Não seria a hora de tentar fazer os mitos? Numa tarde de 1966, nas areias quentes da praia de Venice Beach, Califórnia, dois jovens estudantes de cinema se reúnem e decidem montar uma banda de rock. Trata-se do tecladista Ray Manzareck e do poeta Jim Morrison. O primeiro, afoito com a fama, manifesta o desejo de ficar e rico, além de ter mulheres e mimos luxuosos. O outro, mais preocupado com a repercussão do trabalho, diz que quer mais. Ele quer fazer os mitos. Quer entrar para a história e que todo o resto seria conseqüência dessa obra grandiosa. Manzareck concordou. Assim nasceu o The Doors, grupo de rock que mudou o jeito de se fazer música ao mesclar poesia, jazz, blues e rock, com performances teatrais e ousadas. Entraram para a história e se tornaram referência para tantos outros grupos.
Nos dias de hoje, alguém se preocupa em fazer os mitos? Alguém quer ser lembrado na posteridade? E você, o que faz para preservar sua pequena história? O mundo é cheio de grandes momentos. Mas a pressa do trabalho, na busca desenfreada pelo dinheiro, faz com que as pessoas deixem de perceber certos acontecimentos. Uma rosa que nasceu no jardim de casa, um beija-flor que aparece na janela do apartamento durante o café da manhã, o sorriso de uma criança no colo da mãe no ponto de ônibus...
O sistema em que estamos inseridos engole e mecaniza a todos. Os “bom dia” dados entre dentes, a falta de um abraço fraterno nos conhecidos de infância, por receio, pudor ou sei lá o quê, torna as pessoas mais frias e distantes, longe de sinceros cumprimentos e de palavras amigas. A pressa no trânsito que aflige ainda mais ao som de frenéticas buzinas, ajuda a criar o caos da contemporaneidade. Soma-se a tudo isso, a velha argumentação da falta de tempo e das desculpas esfarrapadas, sem contexto algum.
É bom que se veja o mundo, que se olhe as coisas ao redor e que se tenha um olhar de turista para as coisas mais simples. Assim, fica menos árduo enfrentar os desafios que não são poucos. Fica mais fácil caminhar descalço sobre o quente asfalto nosso de cada dia. Então, que tal olhar para o céu agora?
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