sexta-feira, 25 de junho de 2010

Memória V - Para preservar os arquivos

É preciso um conjunto de experiências, vivências e histórias para que a memória seja constituída. Não há memorialismo sem saudade. E só se sente saudade daquilo que um dia deixou marcas, daquilo que seja motivo de recordações. Como bem disse o escritor Rubem Alves, uma vez “perdido o rosto, só ficou o perfume... Foi-se o objeto, mas o seu vazio ficou. Pois, o vazio nunca é vazio, pura e simplesmente, é sempre vazio de algo. Isso, que tem o nome de saudade". Dessa forma, a rememoração está ligada ao preenchimento de lacunas.
O jovem monlevadense não viveu na Cidade Alta. Não preciso repetir. Além das fotografias antigas, das histórias contadas por pais e avós, nunca existiu vida além do muro do morro do Geo para os mais jovens. Eles não conheceram a cidade que acabou e, por isso, não podem sentir falta dela.
Assim, como não têm a vivência, como não andaram na rua Tamoios e nem na rua Tabajara; como não frequentaram os bailes do Grêmio, nem do União Operária; como não paqueraram na Praça do Mercado, muito menos estudaram no Colégio Estadual, nem escutaram o flautista do morro; nem fizeram compra no Geo; para quem desconhece que o Cassino foi um hotel que recebeu figuras importantes e, para quem Cônego Higino é só nome de um colégio no Aclimação, para esses, essa cidade antiga não faz o menor sentido.
Isso significa que ela vai, um dia, também acabar. Quando os guardiões dessa memória não estiverem mais aqui para compartilhá-la, quando não houver mais registros dessa época passada, a juventude de hoje não vai manter viva essa cidade. E isso é serio: em trinta anos, no máximo, ninguém mais vai falar ou acreditar que já existiu uma Monlevade nos arredores da Usina. Esse será mesmo o fim do passado.
Por isso, vejo a necessidade de Monlevade dar mais atenção ao seu memorialismo. É necessário um grande projeto, não de resgate, mas de preservação da memória e da cultura local, se um dia quiserem ainda ouvir falar da Cidade Alta, suas ruas, sua praça e suas histórias. É necessário entender que a cidade tem um laço, de aço mesmo, com o seu passado. E, a cada dia, essa memória vai ficando cada vez mais distante, perdida entre palavras, nos causos que não são mais contados, nos ecos do passado. É preciso registrar, catalogar, filmar, gravar. Aproveitar os vivos, antes que sua memória também morra, antes que ela vá, aos poucos, indo embora pelo ralo do esquecimento.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Memória IV – Identidade e cultura


Somos parte do que já foi. O passado é mais poderoso do que o presente, pois ele não apenas nos formou como nada nele pode ser alterado ou destruído. O que chamamos de presente é apenas subúrbio do passado. Com essas afirmações, o escritor irlandês Oliver St.John Gogarty, em seu romance Não é de forma alguma época deste ano, publicado em 1954, faz um relato autobiográfico de sua trajetória pessoal e também do seu país, recontando fatos ocorridos no passado, buscando preencher e entender as lacunas do presente.
Com o fim da cidade alta e o fechamento do Morro do Geo, o monlevadense mergulha nas suas histórias passadas para encontrar de novo a sua identidade perdida, a sua pólis adorada que ficou para trás. Assim, a cidade hoje vive uma crise de identidade. O que caracteriza João Monlevade? O aço, a Usina, tudo bem, todos sabem... Mas o que o monlevadense tem de mais identitário, aquilo que o distingue perante os outros? Mais uma vez afirmo: Para os que nasceram entre os anos 50 e 60, sem dúvida, vai ser a saudade da cidade alta ou a crítica pelo seu fim... Agora, os mais novos, não têm nem mesmo essa referência, muito menos outras...
Identidade, cultura e memória são elementos articulados e que caminham lado a lado. Nesse sentido, o monlevadense tem como marcas de identidade, a sua relação com o que não existe mais na cidade, porque isso faz parte da cultura do município. Lembrar das ruas, do lactário, dos boieiros, do Bar Para Todos, do Grupo de Tábua, do Colégio Estadual, da Rádio Cultura (com música ao vivo), dos bailes e eventos do Grêmio e dos demais clubes, tornou-se um hábito, uma forma de contemplar aquilo que não pode ser mais destruído (embora já tenha acabado).
Mas o pior que poderia ter acontecido com os viventes desta época, sem duvida, foi o muro na entrada do morro do Geo. O fato de não existir mais sequer qualquer oportunidade de contato com o que existia antes, machuca ainda mais. O muro lacra,enterra. É como uma lápide de concreto sobre a cova. Encerrou o passado para sempre. Assim, a recordação é uma arma contra a nostalgia do tempo, para reavivar as marcas do que se foi. A juventude, no entanto, está sozinha e carente dessa identificação com a sua cidade do agora. Tanto que, quem tem menos de vinte e cinco anos, não se lembra (ou se recorda muito pouco) do que era Monlevade antiga.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Memória III - Os Escritores


Orientados pela batuta do ativista cultural, professor Nilton de Souza, o popular Tim Mirim, muitos jovens escritores foram precursores da chamada Literatura Monlevadense. Eles iniciaram um movimento de valorização da produção literária local nas décadas de 70 e 80. Além de produzirem literatura, esse grupo realizava montagens tetrais e se propunha a fomentar a cultura na cidade.
No entanto, um trio formado por Joel da Páscoa, Geraldo Magela e Wir Caetano se propôs a romper com os limites de Monlevade e criou a Revista Rebu, uma espécie de revista panfleto, que tinha laços com a emergente literatura marginal, que tomava conta do cenário brasileiro. Não entendam mal. Marginal aqui tem sentido literal de estar à margem, ou seja, os escritores que não tinham editoras, criavam meios alternativos para publicação de seus trabalhos. Essa geração também ficou conhecida como geração mimeógrafo, a mesma que escrevia e editava seus textos.
A Rebu comemora 30 anos de lançamento em 2010, embora não tenha mais circulação. Ela foi a primeira revista monlevadense a criar laços com escritores de outras cidades mineiras e ainda com outros estados brasileiros. Publicando textos de outros autores, a revista tinha, já naquela época, o espírito que move as redes sociais que hoje fazem sucesso na internet: a elaboração de uma conexão direta com o cenário literário nacional.
Os outros escritores da cidade, por sua vez, reunidos no Grupo de Estudos Literários – Geo também se organizaram para publicar seus livros. Assim, Marcelo Melo, Jaqueline Silvério, João Carlos de Oliveira Guimarães, Tavim Viggiano, Will Jhony, Gehart Michalick, entre outros publicaram seus primeiros trabalhos, com grande repercussão na cidade. Tempos idos...
Tanto a Rebu, quanto o grupo do Geo contribuíram para a efervescência literária e cultural do município. Também, influenciado por essas pessoas, criei junto a um amigo, Marcio Reis, a revista Domínio Publico, em 2000, com o objetivo de divulgar textos e escritos diversos de autores monlevadenses. Inclusive os nossos! A publicação morreu na quarta edição, seguindo uma tendência nacional, de que a maioria das publicações alternativas não sobrevive até o quinto numero. C´est la vie!

terça-feira, 8 de junho de 2010

Memória II



A memória é o essencial, como já disse Jorge Luís Borges. E o monlevadense tem isso como um bandeira. A lembrança dos prédios da cidade alta, da praça, do comercio e de toda aquela vida que havia no entorno da usina, ainda está viva e corre nas veias da cidade, apesar de terem se passado muitos anos.
O memorialismo é tão pulsante, que já ouvi muita gente falando “a minha Monlevade não existe mais”. E isso me incomoda um pouco porque o saudosismo em excesso pode ser prejudicial. Lembrar o passado com tanta avidez é, sim, uma forma de não pensar o futuro. A impressão é a de que o monlevadense ama tanto aquela cidade perdida, que não consegue amar a atual, não consegue fazer o presente progredir. Fica preso ao passado, sem querer buscar o futuro.
Mas entendo. Depois que a cidade alta acabou, criou-se uma lacuna. Um espaço vazio que jamais será preenchido ficou aberto e a memória vem para consolar o fim daquele período. No entanto, é preciso refletir: se aquele bairro não tivesse acabado, estaria de pé até hoje? Será que as faculdades, as rádios, os centros de discussão e fomento ainda seriam na Praça do Mercado? O hipermercado seria construído ali, próximo ao Armazém do Geo? Seria mesmo possível?
Não, certamente, não seria. Mas como os monlevadenses (os que nasceram entre as décadas de 40 e 60) perderam o espaço de sua infância, perderam as referencias de onde estudaram, de onde namoraram de onde trabalharam, surgem as memórias como um amparo de (re) construção de todas essas vidas.
Se a cidade alta continuasse viva, é bem provável que ela estivesse esvaziada, carente de atenção e de investimentos, como hoje está todo o centro industrial. O desenvolvimento não respeita a memória quando faltam políticas de preservação e uma população consciente de seu papel no cuidado com o seu patrimônio.
O que a memória amou fica para sempre. E, por isso, o passado permanece vivo por meio de tantas saudades e lembranças. O fim da cidade alta é uma ferida na alma monlevadense que nunca vai ser fechada. E ela é tão forte, quanto a imagem de um aleijado sentindo dores no braço que já perdeu.