sexta-feira, 20 de março de 2009

A hora de dormir


Mesmo cansada, “pingando”, como costumava dizer-lhe a avó materna, ela não conseguia dormir. Tinha uma dificuldade estranhíssima para adentrar-se nas aventuras que as horas noturnas poderiam conferir-lhe. Deitada de costas, de bruços, de lado... nenhuma dessas posições deixavam-na confortável. E o sono não vinha.


Não sabia, exatamente, qual era o seu problema. A princípio, pensou que era algo relacionado à alimentação. Acostumada aos rompantes da louca vida moderna, ela mal tinha tempo para engolir um fast food, fumar um cigarrinho e tomar uma Coca Light. Antes de deitar, tomava um cafezinho morno, que foi cortado, tão logo fora coroado como o principal culpado pela insônia dela. Mas ainda assim, o problema persistiu.


Depois, ela acreditou que o responsável pela falta de sono era a agitação diurna. Promotora de eventos, ela passava os dias pendurada ao telefone, consultando orçamentos, dando satisfações aos clientes, agendando pagamentos de contas e tal. A rotina repleta de afazeres que desafiam o tempo também assombrava-a, sufocava-a. Assim, ela não consegue “desligar” a mente e, na hora de dormir, sempre achava que não deu para cumprir todas as exigências. Dessa maneira, ficava ouvindo o insistente toque do celular.


Também, o alto preço dos produtos de que precisava, a concorrência desleal, atrapalhavam-lhe os pensamentos. Eram tantos problemas para uma cabeça sozinha resolver. A raiva repentina por um contrato cancelado, a falta de caráter de alguns clientes, o sentimento de vazio, que tomava conta dela eram razões de sobra para tirar-lhe o sono.


Mas nenhum desses motivos era o mais grave. A razão pela qual ela não dormia, estava pautada na falta de um grande amor. Um amor que tomasse conta dela, que a alcançasse como nenhum outro. Um amor capaz de superar obstáculos e diferenças. De fazer dela, uma mulher imbatível, forte e corajosa. Isso, a fazia revirar nos lençóis, como se neles houvesse brasas e espinhos, que incomodavam-lhe bem no fundo.


Só que nem ela sabia ao certo, de que precisava de um tempo para si. Um tempo para procurar por alguém ou, até mesmo, para ser achada. O que lhe faltava era isso. E ela não compreendia. Então, as noites eram as maiores do mundo, cheias de uma solidão no escuro, como se ela toda fosse uma casa vazia onde ninguém tivesse coragem de por os pés.


No dia, seguinte, antes mesmo do café, ela tinha cara de ontem. E no dia posterior a esse, ela continuaria com a mesma cara, porque não teve tempo para que o sono apagasse os vestígios diurnos. No trabalho, sempre perguntavam se ela tinha dormido bem e ela, monossilábica, dizia que sim e que estava tudo na mais perfeita ordem. Mas os gestos e as expressões denunciavam-lhe. E ela fingia que estava tudo bem.


Em casa, quando deitada na cama, após um banho de quarenta e cinco minutos e dentro de uma enorme camisa estampada do Pateta, ela deitava e sentia-se a mulher mais triste do universo. Às, vezes, chorava, pedindo a Deus que a deixasse dormir uma noite inteira, sem interrupções e sem sobressaltos. Era quase sempre atendida. Porém, tinha o mesmo sonho: o de que estava em um campo verde, cheio de rosas e de lojas de R$1,99, onde aparecia um homem sem rosto, mas que olhava fixamente para ela, como quem admira, como quem namora à distância. Quando ela corria em direção dele, parecia que ele ia se afastando, gradativamente, feito uma miragem de água molhando o asfalto, feito um espelho quebrado no fundo de riacho.


De repente acordava. Vazia. Sozinha. A única companhia era o Pateta estampado na camisa listrada. E tudo recomeçava de novo, orquestra repetindo sempre a mesma melodia, disco arranhado que não deixa a canção prosseguir. Ela ia para a rua e, no meio de tantas outras pessoas, não passava de uma incógnita, que tinha na face o retrato de dias não dormidos e noites pouco exploradas. Ela não sabia que poderia livrar-se disso, quando ouvisse o coração gritar das

entranhas, que ela precisava de um pouco mais de amor. E era só.

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