segunda-feira, 25 de outubro de 2010

As tradições inventadas em Monlevade

João Monlevade, a minha cidade, a nossa cidade precisa reconhecer suas tradições. Ou melhor, precisa validá-las. O pensador Eric Hobsbawm (1991) afirma que quando não há valorização do que é tradicional, inevitavelmente, ocorre a invenção de outras tradições. Ele assegura que os costumes, quando não usados, acabam substituídos por outros, que muitas vezes nem se parecem com a realidade local: são inventados, para substituir os legítimos que estão adormecidos.
Uma cidade que não tem tradições é tristemente desnivelada. É vista por baixo. É pobre. Nossa cidade é carente de tradições culturais que possam elevar-lhe o nome junto às demais. O que caracteriza o município? Catas Altas faz vinho, Ouro Preto tem o Barroco, Alvinópolis tem a chita e nós? Bem, fazemos aço, é verdade. E o fazemos, em maior escala, desde 1827, quando chegaram os equipamentos ingleses que turbinaram a fábrica modesta de Jean Antoine Félix Dissandes de Monlevade.
Mas o aço que produzimos ocupa (e muito bem) o segmento econômico. É interessante pensar que o mundo conhece o fio máquina fabricado aqui por trabalhadores, que são nossos pais, parentes e irmãos. Mas nós, monlevadenses, desconhecemos a força cultural desse material.
Uma cidade sem tradição vira as costas para o progresso. Seria esse o motivo de nossa estagnação cultural? Por que não abraçamos os aços longos da Usina e o transformamos em nossa bandeira? Por que não há uma discussão sobre a produção, um seminário nacional de siderurgia realizado no município? Por que não há um festival cultural do aço? Por que não há oficinas diversas sobre o assunto? A população sabe como é feito o aço desta terra e que ganhou o mundo?
Mas lembrando de Hobsbawm (1991), o que chamamos de tradição, aqui, sinceramente, não é nosso de fato. Não faz parte e nem corresponde às nossas raízes. Pense bem: Nosso maior evento cultural é uma cavalgada... isso, numa cidade que tem área mínima de zona rural. Por que gostamos tanto de encontro de motociclistas e desconhecemos nossos artistas plásticos?
Precisamos construir nossas tradições. Entender de onde surgiram nossas raízes para fazer disso a bandeira de nossa cidade. Enquanto desconhecermos essa identidade, essa memória cultural, continuaremos aplaudindo as invenções que se tornaram tradições em Monlevade.

* Hobsbawm, Eric. A invenção das tradições (1991).

Um comentário:

  1. Erivelton,
    Adorei sua reflexão. Não o conheço, mas assino embaixo. A gente vive completamente alheio a esse mundo siderúrgico. Acredito que até mesmo muitos empregados que trabalham diretamente com o aço não sabem a sua importância na economia mundial. Creio que a origem disso remonta o "manda quem pode, obedece quem tem juízo". Infelizmente, a alienação leva à aculturação. Parabéns pelo texto. Que seja um marco inicial para as coisas mudarem na nossa Jean Monlé e para que nosso povo melhor entenda o que está em seu derredor. Cavalgada, exploração gratuita dos animais em pleno século XXI, em tempo de avião supersônico, trem bala. Coisa antiga essa cavalgada numa cidade eminentemente industrial. Sempre me pergunto quem inventou essa. Cultura não passível de juízo de valor porque nasce espontaneamente; mas em Monlevade as manifestações culturais são meio desconexas, estranhas, não sei por quê.

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